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“Coisa de criança” — por Vanderli do Carmo Rodrigues

Da pureza da infância à frieza do lucro: a trajetória de quem um dia amou os animais.

Por: Redação Fonte: Garça em Foco
13/11/2025 às 15h13
“Coisa de criança” — por Vanderli do Carmo Rodrigues

O seu primeiro contato com animais foi ainda no berço...

–Mamãe, porque tem tantos bichinhos no meu quarto? 
Ela me respondeu que são bonitinhos e que quarto de criança tem que ter bichinhos... 
A decoração feita com tanto amor pela minha mãe, tem como inspiração os animais. Desde os de pelúcia, gatos, cachorros, coelhos, passarinhos, ursos, ratinhos e uma cobrinha colorida, até o enxoval, sempre com uma carinha peluda e feliz como estampa. 
–Mamãe, eu posso ter um cachorrinho de verdade?
Ela diz que não, que eles são sujos, estão cheios de parasitas, transmitem doenças e que existem muitas campanhas do governo alertando sobre o assunto. Não entendo nada, mas se minha mãe diz, só pode ser verdade.
Meu amiguinho tem um ratinho na gaiola, ele corre na rodinha até ficar tonto. Dia desses vi um aqui em casa, era pequenino e cinza, tinha uma carinha esperta e ficava cheirando tudo. Fiquei tão feliz tentando brincar com ele... Mas de repente minha mãe começou a gritar, meu pai veio até nós, e fui tirado do quarto às pressas, ouvindo atrás de mim uma barulheira que me deixou amedrontado. Ouvi minha mãe dizer que aquilo era uma praga, que transmitia doenças; acho que ele era diferente do ratinho do meu amigo. Acho que o rato do meu amigo era rico e esse pobre... Que nem as pessoas... Quando ele voltar, vou ficar quietinho, assim meu pai não o manda embora de novo.
Ando meio triste, queria muito ter um cachorrinho e um gatinho, mas minha mãe insiste que eles são sujos. Meu pai quis me agradar e comprou um aquário com um peixinho azul; ele fica nadando sem parar. Acho que ele tá se sentindo triste também, sozinho, sem pai nem mãe. Batizei-o de “Azuzinho”...
E olha o susto que eu levei hoje! Minha mãe me chamou para o almoço, dizendo que tinha peixinho assado para comer. Comecei a chorar pensando que era o Azuzinho que minha mãe tinha assado, mas ele estava lá, nadando sem parar. Ufa! Onde ela arrumou outro peixinho?  
–Mamãe de onde vem a “carninha” que a senhora insiste para que eu comer e ficar forte?
Ela disse que vem do açougue, mas eu não sei onde e nem o que é isso. Não vejo a hora de crescer e ficar tão inteligente feito minha mãe.
Nesse final de semana minha avozinha veio. Foi muito bom, ela ensinou como matar um sapo. Um sapo que apareceu aqui e novamente minha mãe gritou muito; tadinha, ela grita um bocado... Minha vó também é inteligente, jogou sal nas costas do sapo e ele morreu. Não sei porque, mas eu fiquei triste... Não queria que ele morresse, queria que ele fizesse companhia para o meu sapinho de borracha.
Essa semana eu comecei a estudar, conheci novos amiguinhos e aprendi um montããããão de coisas... 
Aprendi a cantar uma musiquinha que atira o pau no gato, só que o gato não morre... Ainda bem, eu não queria que ele morresse. A professora é muito bonita e boazinha, contou uma estorinha de três porquinhos que constroem casas. Ai vem o lobo e assopra. Esse mesmo lobo come uma vovozinha, tadinha... Eu não sabia que os lobos eram tão maus, fiquei com medo, não gosto mais deles... Se não fosse o homem que corta árvores matar o lobo e retirar a vovozinha, ela tinha morrido.
Agora, depois que eu fiquei com medo de lobo, só quero ter um gatinho... Meu pai contou que teve um gato que foi seu companheiro por muitos anos, mas quando eu nasci eles ficaram com medo de eu ficar doente e deram o gatinho pra outra pessoa... Tadinho! Ele morreu de tristeza algum tempo depois. Acho que quem ficou doente foi ele...
Quando eu crescer, quero ter um montão de gatos, quero ter também um coelho, um passarinho e um pato... Ah! E um sapo também, assim meu sapinho de borracha não fica sozinho...

Você cresceu... A inocência foi embora e com ela sua generosidade e compaixão. Você foi educado e se adequou a uma sociedade egoísta. Hoje você pode ter quantos animais quiser, mas escolheu viver em um ambiente limpo, afinal os animais são sujos... Na sua casa o único animal que entra é aquele que vem do açougue.
E sua inteligência superou em muito a da sua mãe, construiu um império com ela. Hoje você sabe o que é um açougue, e sabe muito mais que isso, sabe de onde vêm os animais que estão no açougue. Afinal, a maior parte deles é abatida pelo seu frigorífico...
Mas uma coisa é certa: quando criança, você adorava animais... 


Vanderli do Carmo Rodrigues

 

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