A Solenidade da Exaltação da Santa Cruz remonta uma das mais antigas celebrações dedicadas ao Senhor, datada do século IV da era cristã, quando o Imperador romano Constantino mandou construir duas basílicas em Jerusalém, uma no Gólgota e outra no Santo Sepulcro, existentes até hoje. As basílicas foram dedicadas em 13 de setembro de 335 e no dia seguinte, se recordou ao povo o significado profundo daquelas igrejas, mostrando o que restava do lenho da cruz do Salvador. Deste uso de falar do significado profundo da cruz no dia 14 de setembro, fez surgir esta festa, que se encontra em Roma no século VII. Além disso, se acrescentou mais tarde, no século VII, a lembrança da vitória do imperador bizantino Heráclito sobre os persas, dos quais o imperador conseguiu de volta as relíquias da Santa Cruz e foram devolvidas a Jerusalém. Desde então, a Igreja celebra nesse dia o triunfo da Cruz, e entre os cristãos orientais é celebrado com solenidade, comparável a festa da Páscoa.
A Liturgia da Palavra desta festa é enriquecida com trechos que nos revela o significado profundo do mistério pascal e o sacrifício da Cruz. A primeira leitura do livro de Números (21,4b-9) que nos conta sobre o sinal da serpente de bronze. O povo de Israel na caminhada do deserto havia mais uma vez murmurado contra Deus e contra Moisés pelas dificuldades da travessia. Como consequência da ira divina, Deus permitiu que serpentes venenosas matassem muitos filhos de Israel. Como pedido de clemência o povo voltou-se a Moisés e esse intercedeu, e Deus pediu que fundisse uma serpente de bronze como sinal. O valor da narrativa não está tanto no fato da serpente de bronze, mas no ato de fé em Deus todo-poderoso, que deu aos hebreus um símbolo de seus atos, do qual pelo ato de fé foram curados das picaduras das serpentes. Os cristãos leram e interpretaram essa passagem em relação a Cristo elevado na Cruz. O símbolo da serpente assim era figura na realização em Cristo na Cruz, como sinal de salvação. Contemplar o Crucificado e crer nele é contemplar e aceitar a nossa redenção.
Na segunda leitura, da carta de São Paulo aos Filipenses (2,6-11) temos um belíssimo hino cristológico. O texto é bem claro, a humildade é o caminho da santidade, e para que o reino da humildade, do amor e da concórdia entre os irmãos se realize são necessários “os mesmos sentimentos que teve Jesus Cristo” (2,1-5). O trecho descreve o aniquilamento do Filho de Deus, que assumiu a condição de criatura, de Servo sofredor anunciado pelos profetas, viveu até a morte de Cruz toda a nossa existência humana. “Ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo (...) humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, Deus o -exaltou acima de tudo” (v.7-9). Mas, Deus o exaltou a sua fidelidade, glorificou-o e fez Senhor.
No Evangelho, o diálogo de Jesus e Nicodemos (João 3,13-17) nos apresenta o centro da fé cristã que dá vida: a paixão de Cristo, figurada no Antigo Testamento na serpente de bronze e realizada na Cruz. Pois, a Cruz se tornou sinal do amor de Deus, que, em seu Filho, quer nos redimir. Esse modo de agir de Deus provoca-nos a tomar uma decisão fundamental, aceitar o amor de Deus sob o símbolo do Crucificado ou rejeitá-lo.
O símbolo da Cruz é sinal do amor e da redenção que Deus quer para todos nós. Este símbolo de forma nenhuma é a derrota ou o fracasso do projeto divino, mas é sinal de sua vitória. Fazendo ainda alusão a serpente de bronze, hoje sabemos que o antídoto das picaduras venenosas se faz com o soro do veneno da serpente. De modo semelhante, Deus redimiu o mundo do pecado e da morte, fazendo-se ser humano e assumindo a condição de pecador. O autor da vida morre na Cruz para se tornar antídoto daquilo que perecia a humanidade. Pelas suas chagas fomos curados e libertos.
A Cruz, assim, não é um amuleto que se carrega ao pescoço para proteção nas doenças ou desventuras. Não é um símbolo colocado no cimo das montanhas para mostrar a conquista do território, ou nas casas para indicar a sacralidade do ambiente. É um Sinal: o ponto de referência dos que têm fé e veem nela a proposta de vida, feita por Cristo ressuscitado.
Ao olhar a Cristo crucificado nos revela o verdadeiro rosto de Deus e nos convida a nos deixar envolver por seu amor. Descobriremos que Deus não é forte e poderoso, mas frágil. Não é vencedor, mas derrotado. Não é rico, mas despojado de tudo. Não é servido, mas servidor da humanidade. Não faz o que quer, deixa que os seres humanos façam dele o que querem. É fraco, vencido, pobre, servo, humilhado, pois foi por amor e salvação de toda a humanidade.
E para nós, o que significa a Cruz? Um amuleto para dar sorte ou afastar desgraças? Uma joia que carregamos ao pescoço? Um enfeite que penduramos na parede fria de nossas casas? Um monumento em lugar turístico?
Podemos sugerir duas coisas. Primeiro, fixar os olhos no Crucificado e orientar as nossas escolhas. Nessa semana, encontre um momento e um local adequado para permanecer sozinho, olhando para o Crucificado. Meditar os acontecimentos dramáticos da Paixão e Morte de Jesus na Cruz. Procure reviver em silêncio e na contemplação. Jesus, desprezado pelo povo, odiado pelos sacerdotes, caluniado, acusado por mentiras. Tenho coragem de recordar as ofensas, os rancores por uma falta de compreensão, por uma palavra inoportuna?
As Palavras que Jesus proferiu no alto da Cruz: “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). “Ainda hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). Se abrirmos o coração, do Crucificado brotará um clima de paz e uma necessidade de compreensão, de amor e de perdão. Vendo esse Cristo de Braços Abertos, posso continuar de braços cruzados, me omitindo diante das necessidades dos irmãos?
Depois, o sinal da Cruz, que talvez aprendamos ainda no colo de nossa mãe. Um gesto simples, em que traçamos uma cruz sobre nós, invocamos a Trindade e consagramos nossa mente, nosso coração e nossas ações. Que tal nessa semana, fazê-lo consciente, com mais fé e amor? Cristo venceu pelo caminho da Cruz e é também o caminho de nossa vitória.
Pe. Anderson Messina Perini
Administrador Paroquial da Paróquia Jesus Bom Pastor de Santo André