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Lago de Garça: a ponta do iceberg da má gestão da água e que serve de lição para o mundo

Por Vicente Aranha Conessa e Rudi Ribeiro Arena

Por: Redação Fonte: Piramba
09/10/2025 às 14h21
Lago de Garça: a ponta do iceberg da má gestão da água e que serve de lição para o mundo

Por Vicente Aranha Conessa e Rudi Ribeiro Arena

Garça sempre foi reconhecida como uma cidade privilegiada em recursos hídricos. São inúmeras nascentes espalhadas pelo município, verdadeiras joias naturais que deveriam ser tratadas como patrimônio coletivo. No entanto, a realidade é bem diferente: boa parte dessas fontes de vida corre o risco de desaparecer, sufocada pela falta de consciência ambiental e pela omissão do poder público ao longo do tempo.

O Lago Artificial de Garça é um símbolo desse problema. Quem observa seu nível de água cada vez mais baixo pode até pensar que se trata de um fenômeno isolado, mas a verdade é que ele é apenas a ponta do iceberg. A nascente que o alimentava foi canalizada e hoje serve como palco para eventos da cidade, sem qualquer preocupação com a função vital que antes desempenhava. Historicamente, o lazer imediato prevaleceu sobre a preservação ambiental, revelando uma visão míope de desenvolvimento.

Agora, o Lago Artificial está em processo de esvaziamento. Um poço profundo está para ser perfurado e assim poder fornecer água para um lugar em que antes ela era farta e brotava naturalmente. A nascente resistiu até quando foi possível, mas chegou o momento crítico, e uma confluência de fatores fez com que ela secasse.

Uma breve história de Garça-SP

O Centro-Oeste Paulista foi, e em parte, terra dos indígenas Kaingang, sendo o povo indígena mais numeroso na região, com uma história de resistência e conflitos por terra com o avanço da colonização e da agropecuária. Embora não sejam os únicos, os Kaingang tiveram um papel central na formação territorial e cultural desta área. E uma coisa que poucos habitantes de Garça sabem é que a região foi uma das últimas fronteiras agrícolas do Estado de São Paulo com os povos indígenas. Garça em 1910, ainda se encontrava no interior profundo e inexplorado pelo homem branco, a natureza era plena e intocada.

A região, na época, era chamada de extremo sertão do estado. Posteriormente, houve o morticínio dos povos originários locais com a atuação das instituições públicas. Era um período em que havia todo um incentivo par a tomada do território com o apagamento de sua cultura e história. Houve uma verdadeira limpeza étnica com o apoio do poder público e das elites locais da época com interesse na posse das terras.

Os indígenas “garcenses” lutaram com os homens brancos por um longo período para simplesmente terem direito de continuar vivendo em suas terras. Porém, chegou um momento em a quantidade de homens brancos no ataques e o poderio das armas de fogo venceram a guerra. Há registros históricos de que os homens das caravanas públicas se vangloriavam de terem invadido uma tribo e matado a todos, até mesmo as crianças nas mais tenras idades. Isso demonstra o motivo pelo qual em nossa região temos um percentual muito pequeno medido pelo IBGE de pessoas de origem indígenas.

Tal dado não é evidência de aqui não era terra de “índios”, muito pelo contrário. De norte a sul o país era ocupado por indígenas. Na região norte do Brasil existe uma população indígena proporcionalmente maior do que no resto do país, mas isso se dá em razão de que os homens brancos tiveram dificuldade de dizimar indígenas que viviam em lugares longínquos e inóspitos do Brasil . Em Garça, no sudeste do país, a situação era diferente. No início do século passado, cada bastião indígena que ainda existia no Estado de São Paulo, era um alvo fatal e fácil por parte das forças estatais, a vida dos indígenas estavam com os dias contados por aqui. Importante lembrar desses fatos, pois este capítulo não está em nenhum lugar que conta a história de Garça e os alunos do município não aprendem isso na escola.

A terra na região de Garça era fértil e a floresta densa, era continuação da mata atlântica com toda a sua beleza e encanto. As primeiras derrubadas foram feitas pelo Dr. Navarro J. Cintra nas terras que se situam à direita de cabeceira do Ribeirão da Garça. Ali se formou uma fazenda, que em 1920, já estava consideravelmente desenvolvida. Não tardou, portanto, a surgir um povoado em torno da sede da fazenda.

O distrito foi criado no município de Campos Novos, e em 29 de dezembro de 1925, pela Lei estadual de n.º 2.100, sua sede era elevada à categoria de Vila. O município de Garça foi criado em 27 de dezembro de 1928, por força da Lei Estadual n.º 2.330, com território desmembrado do de Campos Novos e Pirajuí. E como era comum na época, fazer o corte raso da vegetação local era sinônimo de progresso. E assim foi feito aqui, assim como em grande parte do país.

A história do Lago Artificial de Garça-SP

O lago artificial de Garça, foi nomeado Lago Professor J.K. Williams, e é uma homenagem ao professor garcense Jennings Kendrick Williams. O Lago começou a ser construído no ano de 1979, mas foi inaugurado em 28 de agosto de 1980, pela gestão do Prefeito Francisco de Assis Bosquê (1977-1982). Logo tornou-se o cartão-postal da cidade. Mas com o tempo virou muito mais do que isso, foram realizadas diversas outras intervenções e edificações no entorno, assim, tornou-se também um lugar para a realização de eventos, um atrativo turístico, local para a para prática de atividades físicas, para passear com as crianças, ponto de encontro de jovens, lugar para se fazer piquenique, observar pássaros, enfim, um importante espaço público de convívio e laser para a população de Garça-SP e região.

Tem também a concha acústica onde são realizados shows musicais, entre outras apresentações, tem os pedalinhos e tem também uma pista de skate no entorno, além de abrigar o Bosque das Cerejeiras e um Jardim Oriental.

A cultura japonesa é nitidamente percebida em Garça. A população é formada também por imigrantes orientais, que trouxeram os costumes de lá. E é o local que melhor representa a influência nipônica no município de Garça-SP.

A história do Bosque das Cerejeiras em Garça começou em 1979, quando o imigrante japonês Nelson Kosche Ichisato plantou 100 mudas de cerejeiras, simbolizando a chegada da colônia japonesa na cidade e a esperança de um novo ciclo. Atualmente, o Bosque das Cerejeiras, ao redor do Lago Artificial Prof. J.K. Williams, possui mais de mil árvores e é palco do Cerejeiras Festival, um evento que celebra a cultura japonesa e atrai milhares de visitantes todos os anos. As cerejeiras são árvores emblemáticas do Japão, representando a beleza, a esperança e a transitoriedade da vida.

Ichisato, que nasceu no distrito de Oshima, província de Yamagutiken, no Japão dizia que desde pequeno tinha um apreço especial pelas flores das cerejeiras. Segundo ele, as floradas são uma marca tradicional da primavera japonesa, já que as famílias se reúnem com convidados para piqueniques, nos quais há o congraçamento entre as pessoas e a possibilidade de apreciar a beleza natural e comemorar o início da estação primaveril.

O plantio de cerejeiras em Garça, cidade de clima pouco parecido com o do Japão, foi visto, inicialmente, com descrédito. Ichisato plantou 110 mudas e várias delas, após poucos dias, morreram devido às chuvas torrenciais. Após um ano, novas mudas foram plantadas e, pouco a pouco, as plantas se adaptaram ao solo e o clima da cidade. Assim, após alguns anos, o bosque do lago “J.K. Willians” de Garça ganhava um novo visual. As árvores passaram a preencher o espaço com uma beleza singular e, a cada inverno, a comunidade pode assistir um espetáculo ímpar de cores.

O bosque e a Festa das Cerejeiras

Na florada das cerejeiras, geralmente entre junho e julho, é celebrada com a Festa das Cerejeiras, a mais tradicional da cidade, é um grande evento da cultura japonesa que ocorre anualmente na cidade. 

A festa não só resgata a cultura japonesa, mas também promove a confraternização entre diferentes povos, atraindo visitantes de várias regiões do Brasil. Esse evento é um dos maiores eventos da cultura japonesa no país e foi recentemente incluído no calendário turístico oficial do Brasil. Também tem uma relevância econômica significativa para o município de Garça, é hoje a maior atração turística. Porém, existe um potencial enorme para o ecoturismo, ainda bastante incipiente no município.

Como era o local do Lago Artificial antes de sua construção

Os moradores mais idosos do município ainda tem na memória como era o local antes das grandes intervenções humanas. Antigamente, não existia o lago artificial de Garça-SP, o local onde ele se encontra hoje, era uma grande área de várzea, um lugar de destino de boa parte das águas fluviais que precipitavam na cidade. Por ser um lugar mais baixo e plano que boa parte da cidade, as águas da chuva confluíam naturalmente para lá.

Assim, existia um ali um grande brejo, era uma área permanentemente alagada, possuía uma vegetação ao redor característica desse tipo de ecossistema, marcada pelas taboas, planta típica de áreas com água parada. Mas também era lugar de nascente d`água, minava o líquido precioso de forma natural.

Houve a ideia então de transformar parte dessa área de brejo em um lago artificial, já que a água era farta naquela época. Era início da década de 80, e depois também houve uma permissão para uma expansão imobiliária na região que hoje pela legislação ambiental atual não seria possível, pois seria considerado uma (APP) área de preservação permanente.

O resto de brejo que havia sobrado, posteriormente, foi todo aterrado. Existem informações de que ouve a canalização subterrânea da nascente. E no local foi construído a concha acústica e o restante foi transformado em um extenso gramado, hoje utilizado para diferentes fins, como para a realização de eventos ou para recreação da população.

Apesar de todas as ações antropogênicas feitas no local, a várzea do Lago ainda está lá. Basta uma chuva forte que não é raro haver alagamento em algumas partes do entorno do Lago. A água da cidade corre naturalmente para o Lago em razão da topografia da cidade, mas o terreno não tem mais a capacidade de reter a água e nem o solo permite que ela infiltre, e essa é uma das razões para que a nascente tenha secado. As águas da chuva naturalmente paravam onde hoje fica o lago, é preciso que essa água não corra para os bueiros, mas sim para onde corria antes e permanecia. Para isso, é preciso investir em intervenções urbanas modernas e sustentáveis que posam ajudar a revitalizar a nascente do Lago Artificial.

O papel das nascentes e das matas ciliares

As nascentes são a origem dos rios e córregos, responsáveis por abastecer aquíferos, garantir água potável e manter a biodiversidade. Já as matas ciliares funcionam como filtros naturais, protegendo os cursos d’água contra erosão, assoreamento e poluição. Ao destruir esses elementos, compromete-se toda a cadeia ambiental — e, em última análise, a própria disponibilidade de água para consumo humano.

Existiu em Garça em meados dos anos 2000, um grupo de ativistas ambientais, chamados Nascentes Vivas, a preocupação com as nascentes de Garça é antiga, mas o ideal daquela época continua mais vivo do que nunca, a preocupação de manter as nascentes vivas é uma necessidade cada vez mais premente. Porém, as dificuldades e as disparidades de armas nessa luta permanecem a mesma. Não tem como um pequeno grupo de pessoas achar que consegue manter nascentes que estão em propriedades privadas e que só o poder público, independentes de sua esfera, pode fiscalizar e adotar as providências para que de fato essa realidade mude. Embora, é preciso reconhecer que já houve certo avanço na sociedade, pois antes o sinônimo de progresso era terra arrasada e árvore no chão, mas a consciência da população segue em um ritmo mais devagar do que a devastação do meio ambiente, sem pensar tanto sustentabilidade futura do local.

Ignorar a importância desses ecossistemas, é assinar uma sentença de escassez cada vez mais próxima. Garça, que já foi uma referência na questão de preservação hídrica e qualidade da água, caminha no sentido oposto, permitindo que a degradação se torne regra.

Garça está entre os municípios de SP que mais destruíram vegetação nativa em 2024

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Grande queimada atingiu a região áreas de mata de Garça em 2024.

A região de Garça sofreu um golpe ambiental muito forte no ano de 2024. Um levantamento divulgado pelo Painel Verde, do Governo do Estado de São Paulo, colocou os municípios de Álvaro de Carvalho (SP) e Garça (SP) entre os que mais registraram destruição de vegetação nativa no estado em 2024. As cidades ocupam, respectivamente, o segundo e o terceiro lugares no ranking estadual, atrás apenas de Barretos.

Ou seja, nossa região perdeu mais de 1.110 hectares de rica mata nativa apenas em 2024, é um dado triste e alarmante que dificulta ainda mais a recuperação das nascentes. O clima cada vez mais quente e seco tende a aumentar esses episódios, é preciso que poder público esteja de prontidão aos desafios do que se pode chamar de novo normal.

Para ter noção do prejuízo ambiental de quem não é familiarizado com a medida de hectares, equivale a supressão de mais 11 milhões de metros quadrados ou 1.027 campos de futebol de vegetação nativa, que até então resistiam a devastação dos homens por estarem em grotões de difícil acesso em razão da topografia bastante acidentada.

Como a técnica de “plantar água” e uma cidade esponja poderiam ajudar na revitalização das nascentes de Garça

Esta foi uma forma comprovada de acelerar a revitalização de nascentes, ou até mesmo fazer brotar água onde tudo já estava seco. É uma técnica que pode ajudar na recuperação das nascentes garcenses que estão em situação de penúria.

É claro que não se pode ignorar a realidade no caso do Lago Artificial, ela se impõe impiedosamente, para o bem ou para o mal. Mas não nos é proibido pensar e imaginar outras possibilidades, pois o mundo é dinâmico e nem tudo que parecer eterno o é. Podemos aprender com a ciência, com as experiências bem-sucedidas e até mesmo com os erros cometidos no passado.

A aprendizagem é constante, assim como a necessidade de nos adaptarmos as atuais conjunturas. No caso do lago pode parecer um caso perdido, mas existem ações que podem colaborar para que futuramente, possa aumentar a quantidade de água no Lago de forma natural. É sempre mais fácil criticar do que propor melhorias para a resolução dos problemas, então é preciso aprender com as experiências já existentes, para que tenhamos opções e que possamos pensar fora da caixa. Tem pessoas que já fizeram isso e deram uma grande contribuição a humanidade.

Como assim “plantar água?

No caso do lago artificial de Garça, existem muitos entraves para a revitalização de sua nascente, pois hoje existem muitas edificações e não é possível derrubar tudo para que volte o que era antes, pois haveria um grande prejuízo para a população e para o município. Mas é possível pensar em plantar mais árvores onde hoje existe um grande gramado e o sol bate pleno sem uma sobra sequer que possa proteger o solo. Era um lugar em que antes era uma nascente que minava água. Porém, a expansão da malha urbana sufocou pouco a pouco a natureza que fazia a água brotar e o pior, foi construído um belo cartão-postal que parecia infinito, mas que hoje a natureza manda uma fatura salgada. É o preço a se pagar por décadas de omissão e escolhas duvidosas.

Falar em “plantar água” pode parecer estanho, mas é um termo usado para descrever a recuperação de nascentes através do reflorestamento de áreas degradadas ao redor delas, criando condições para que a água da chuva infiltre no solo e seja armazenada, e dessa forma revitalizar a nascente. Ernst Götsch, um agricultor suíço que provou na Bahia que isso é possível, e recuperou diversas nascentes com seu método que parece quase um milagre, mas não passa de técnica elaborada com base na experiência e na ciência. E consiste em:

Restauração do Equilíbrio Hídrico: O objetivo principal é aumentar a infiltração da água da chuva no solo e diminuir a evapotranspiração, reabastecendo os lençóis freáticos que alimentam as nascentes. 

Proteção e Conservação: A prática busca proteger os corpos das nascentes de fatores externos como o assoreamento, a contaminação e o pisoteio de animais, garantindo a continuidade da qualidade e quantidade da água. 

Melhora do Microclima: A vegetação criada no entorno das nascentes ajuda a manter a umidade do solo, aumenta a capacidade de retenção de água e diminui as perdas por evaporação, favorecendo o surgimento ou a revitalização das fontes.

O conceito das cidades esponjas

O arquiteto chinês Kongjian Yu, criador do conceito de “cidade-esponja”, faleceu em 24 de setembro de 2025. Ele foi vítima de um acidente aéreo no Pantanal, no Mato Grosso do Sul, enquanto gravava um documentário sobre o tema. Ele foi o criador desse conceito, de incentivar a criação de parques alagáveis, telhados verdes e calçamentos permeáveis, tudo isso faz parte de um modelo urbanístico conhecido como “cidade-esponja”. A proposta busca reter a água da chuva no próprio espaço urbano, reduzindo alagamentos e assegurando reservas de água para períodos de estiagem. O interessante é que ele comprovou na prática, que é possível aumentar o recurso hídrico disponível e o índice pluviométrico local, parece incrível, mas já é realidade.

Cidade-Esponja é um conceito de cidade sensível à água, remetendo à situação na qual a mesma possui a capacidade de deter, limpar e infiltrar águas usando soluções baseadas na natureza. Pode parecer um conceito distante da realidade, mas não é. É preciso reconhecer que ao menos uma boa iniciativa do poder público de Garça já foi adotada nessa direção. O Bosque Municipal de Garça passou por reforma para a substituição do piso asfáltico por pavimentos drenantes, que são mais adequados para uma área natural. Esse novo piso contribui para a melhor drenagem da água, evitando o acúmulo de água e favorecendo a conservação ambiental. Porém, essa iniciativa apesar de louvável, é só uma gota em um oceano cada vez mais seco. Por isso, existe a necessidade de outras tantas mudanças arquitetônicas e urbanísticas para que a cidade possa encontrar soluções que ajudem a absorver as águas de chuva – seja em áreas livres ou construídas, como:

1. Parques e Áreas Verdes: parques e áreas verdes desempenham um papel crucial na absorção e retenção da água da chuva.

2. Jardins de Chuva : Jardins de chuva são pequenas depressões ajardinadas que coletam e infiltram a água da chuva, filtrando poluentes e promovendo a recarga dos aquíferos.

3. Lagos e Pântanos Artificiais: são criados para armazenar grandes volumes de água da chuva e fornecer habitats para a vida selvagem.

4. Telhados Verdes: são uma tecnologia essencial nas cidades-esponja. Eles consistem em camadas de vegetação instaladas sobre telhados convencionais, que ajudam a reter a água da chuva, melhorar o isolamento térmico dos edifícios e reduzir a emissão de carbono.

5. Pavimentos Permeáveis: são uma solução prática para reduzir o escoamento superficial e aumentar a infiltração de água no solo. Esses pavimentos são feitos de materiais porosos que permitem a passagem da água, como concreto permeável e blocos intertravados. Eles são utilizados em calçadas, estacionamentos e ruas para mitigar o impacto da impermeabilização do solo.

6. Canais de Drenagem Natural: Canais de drenagem natural, ou swales, são valas rasas e vegetadas que canalizam a água da chuva de maneira controlada, promovendo sua infiltração e filtragem. Esses canais são projetados para capturar a água da chuva de telhados, ruas e calçadas, reduzindo a carga sobre os sistemas de drenagem tradicionais e melhorando a qualidade da água.

7. Sistemas de Biorretenção e Biofiltração: são áreas especialmente projetadas para capturar e tratar a água da chuva.

O Recurso Hídrico cada vez é mais escasso e valioso

Primeiro de tudo, é preciso ter em mente que a água é um recurso renovável sim, mas isso não quer dizer que é infinito. Para que a fonte de água seja renovável, é preciso cuidar dela e de seu entorno.

Á água limpa natural ou potável cada vez mais se torna um item mais raro e logo, com maior valor econômico. Muitas cidades são afetadas por pela falta de água, e isso tem consequências sociais, pois afeta as famílias em suas necessidades básicas, assim como também prejudica a economia. Por isso, é preciso entender que cuidar das nascentes e ter acesso à água a disposição, já é considerado um item de luxo no mundo de hoje e pode valer muito dinheiro, assim como sua ausência pode gerar gasto financeiro significativo. A falta de água em Garça, pode ser só questão de tempo. Só ver o exemplo de Bauru-SP em que o Rio Batalha já não consegue prover a água necessária para a população do município que frequentemente sofre com a sua escassez.

Assim como Bonito-MS virou referencia de turismo e preservação ambiental, é possível que Garça invista na preservação do meio ambiente e na recuperação de nascentes, pois o benefício será coletivo. É mais água disponível para a população da cidade e para os agricultores da área rural, é o fortalecimento do turismo rural, e com isso toda a atividade econômica do município também poderia se beneficiar. Atrativos naturais, cachoeiras e vales que guardam não só belezas incríveis, mas também podem virar um ativo financeiro relevante para todos. Inclusive para a arrecadação fiscal do próprio município.

A voz da experiência: Piramba e a observação do tempo

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Leito de rio em Garça quase seco

Os integrantes do Piramba são testemunhas oculares da história recente do meio ambiente em Garça. Não se trata apenas de estudos técnicos ou alertas de especialistas. O Piramba, grupo que há mais de quinze anos percorre as cachoeiras e represas da zona rural de Garça, tem percebido de forma clara a redução do volume de água nesses locais. Quem visita os mesmos pontos ano após ano enxerga o problema a olho nu: quedas d’água que antes eram caudalosas agora se resumem a filetes; represas que já transbordaram hoje apresentam margens secas e fendas expostas. Essa vivência é a prova concreta de que a crise hídrica da região não é uma possibilidade futura, mas uma realidade presente.

O Córrego do Barreiro e o Aquífero Guarani

Grande parte dessas nascentes deságua no Córrego do Barreiro, que historicamente foi a principal fonte de captação de água para o consumo da população de Garça. Hoje, porém, o córrego encontra-se totalmente assoreado, resultado direto do desmatamento e da ausência de proteção de suas margens. Diante da degradação, o poder público precisou recorrer a uma solução emergencial: perfurar um poço profundo no Aquífero Guarani, uma das maiores reservas de água doce subterrânea do planeta, para evitar que a cidade ficasse sem água potável. E já existe a previsão de perfurar ao menos outros dois poços a mais de 200 metros de profundidade para tentar solucionar problemas de falta de água que já afeta a população garcense.

A necessidade de usar o aquífero é sintomático da atual situação hídrica do município, pois trata-se de ter que recorrer a última alternativa, a de procurar pelas águas subterrâneas profundas, já que a abundância de água superficial de outrora, hoje parece um passado distante e sem volta.

É uma medida que resolveu a urgência, mas que não ataca a raiz do problema. Pior: se as nascentes e córregos continuarem abandonados, dependeremos cada vez mais de soluções emergenciais e iremos consumir uma reserva que era para ser das gerações futuras, ao invés de preservar o que já tínhamos à disposição.

Ainda assim, é preciso reconhecer: em comparação com cidades vizinhas, Garça não sofre com falta de água para beber. Isso não é mérito da gestão, mas da condição privilegiada da região, que ainda resiste graças ao Aquífero Guarani. Contudo, transformar a abundância em escassez não é difícil e tudo pode ser apenas uma questão de tempo.

A gestão pública que fecha os olhos

Não importa se é poder público federal, estadual ou municipal, a realidade é que sempre existiu uma tolerância as infrações ambientais, é a famosa vista grossa, como se fosse um problema de menor importância. No entanto, tem consequências reais que afetam a vida das pessoas e trazem maior responsabilidade para os gestores públicos

É impossível tratar desse tema sem apontar a responsabilidade dos governantes. A canalização de nascentes, a ausência de políticas sérias de recuperação de matas ciliares e a permissividade com ocupações irregulares próximas a cursos d’água demonstram que o meio ambiente raramente entra como prioridade. Prefere-se investir em obras de impacto visual imediato a pensar em sustentabilidade.

A redução da água no Lago Artificial, o assoreamento do Córrego do Barreiro e a necessidade de recorrer ao Aquífero Guarani não são obras do acaso: são consequências diretas da gestão pública que em geral despreza a ciência, ignora o ciclo da água e deixa de proteger o que deveria ser mais sagrado.

Um alento: existe uma lei municipal que vai na direção correta

A lei nº 5.525/2023 instituiu o programa de recuperação de áreas degradadas e alteradas “Adote uma Nascente” para preservar e conservar as nascentes e matas ciliares que mantém suas características naturais. O Poder Público tem suas limitações também, pode muito, mas pode muito mais com a colaboração da sociedade civil organizada. A lei instituiu duas categorias de voluntários do Programa:

1) – bem como atividades de educação a adotantes: voluntários responsáveis pelas ações de preservação e recuperação da nascente; um adotante ou associação de voluntários para cada nascente ou olho d`água, que será o responsável pela manutenção da área promovendo ações de preservação, recuperação ou conservação ambiental.

2) – padrinhos ou madrinhas: voluntários responsáveis por colaborar com as ações de adoção, um ou mais padrinhos ou madrinhas, para o financiamento e apoio às ações de proteção e conservação de cada nascente ou olho d`água objeto do Programa.

Entretanto, o programa de recuperação de áreas degradadas e alteradas “Adote uma Nascente” deve ser estruturado e implementado pelo Conselho Gestor previsto na Lei. Até o momento, do que foi noticiado, houve um caso de adoção de nascente. Trata-se de área localizada no Jardim Paineiras, onde está localizado o Córrego do Barreiro.

A área foi adotada pelo SAAE e apadrinhada pela Faculdade de Engenharia Florestal – FAEF, onde foram plantadas 1.700 árvores. Nesse formato, o SAAE fica responsável pela manutenção das mudas e preservação da área, enquanto a FAEF fica responsável pela orientação técnica, projetos e fornecimento de mudas.

Entretanto, a iniciativa parece que não ganhou escala, além disso, não basta apenas cuidar da nascente, é preciso também cuidar do restante do curso d´àgua. Do que adianta uma nascente revitalizada que depois vira um córrego sem mata ciliar e que sofre assoreamento?

Necessário saber se o Conselho Gestor previsto em na Lei está exercendo as suas atribuições e se o programa está em funcionamento e logrando êxito, pois até o momento não há sinais de melhora na preservação das nascentes e córregos da região. A lei é louvável e pode ser até um alento, mas é preciso que vá muito além do papel e possa ser uma ferramenta efetiva para a transformação da realidade.

Muito além do Lago Artificial

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Cachoeira quase seca

A situação do Lago Artificial é um alerta, mas não o único. Se nada for feito, outras nascentes seguirão o mesmo destino, o que compromete não apenas a paisagem, mas o futuro da cidade e da região. O problema não é apenas ambiental, mas também social e econômico: sem água, não há agricultura, não há saúde pública e não há qualidade de vida. São inúmeras as cenas na região de Garça de represas secando, córregos cada vez com menor volume de água e cachoeiras e seus poços cada vez com menos água. Realidade triste e cruel que pudemos acompanhar como uma série da TV, mas que não é nada legal de assistir.

O Dilema: aceitar a derrota ambiental ou tentar revitalizar a nascente?’

Diante do que se tornou o Lago Artificial de Garçae todo o seu entorno, de todo o investimento público realizado e uma vez que virou um local para eventos, lazer e turismo, não tem como reverter tudo e fazer voltar a área de várzea que existia ali. A expansão urbana foi cruel com este ecossistema local. Mas existem sim providências que podem ser adotadas para ajudar na revitalização e aumentar a umidade do lugar. Naturalmente é um local para abrigar e reter água, mas hoje respira por aparelhos nessa questão. O mesmo homem que causa a seca da nascente, pode sim adotar medidas para mitigar o prejuízo.

As mudanças Climáticas e outras ações antropogênicas que afetam o Lago Artificial

A ação humana de fazer o aterramento da nascente, de impermeabilizar boa parte do entorno em que havia vegetação, acabou por dar lugar a casas e outras edificações, fruto da pressão e especulação imobiliária.

Uma grande parte do que seria um ecossistema a ser preservado no coração da cidade, acabou sendo todo aterrado e transformado uma grande parte em um extenso gramado, um grande descampado, quase sem nenhuma árvore, que virou uma grande área de laser para famílias de várias formas. Jogar bola, soltar pipa, andar de bicicleta, entre outras atividades e recriações. Porém, na falta de árvores, o sol bate forte em um lugar em que antes era quase tudo água. A ausência de árvores no local, também colabora para que a nascente do lago tenha secado e ter que furar um poço para que o cartão-postal do município não vire mais uma história triste, entre outras tantas da nossa história de catástrofes ambientais.

Houve diminuição do regime de chuvas em Garça, o que fez com que o índice pluviométrico anual médio esteja em declínio. O município vem sofrendo com uma precipitação cada vez com menor volume de água e também as chuvas têm ficado menos frequentes na região. Trata-se de um problema bem mais abrangente, e que depende não só da ação de um governo local, regional ou nacional, mas sim de providências da governança global como um todo. Essa é uma luta da humanidade contra o tempo e até agora não temos sido bem-sucedidos nessa batalha.

Conclusão: responsabilidade coletiva

Todo cidadão garcense valoriza o Lago, pois realmente o lugar é uma joia do município, e hoje podemos estar em choque com o fato de a nascente do lago ter secado. Mas infelizmente, esta nascente é só uma entre outras centenas, senão milhares de nascentes que brotam em nossa região e que estão pedindo socorro. Uma andorinha só não faz o verão, assim como uma nascente só não nos assegura a segurança hídrica que o município necessita. O lago é sim o local mais conhecido de Garça, mas não é mais importante do que o córrego do barreiro que fornece a água para a sua população. Assim, como também não é mais relevante do que outras diversas nascentes que são de suma importância para o microclima local. Mas é preciso que cada área de competência faça sua parte na medida de suas atribuições.

Nem os gestores públicos, e nem a sociedade cível cuidaram ou cuidam hoje das nascentes como deveriam, é um descaso de décadas. Mas o poder público tem, sim, a obrigação de agir. A experiência mostra que esperar somente por ele não resolve. Cabe também à população se mexer, se conscientizar e cobrar mudanças, bem como adotar práticas de preservação no dia a dia, seja na direção de respeitar as áreas de nascente, evitar o desperdício de água, apoiar projetos ambientais ou denunciar irregularidades ambientais. A defesa da água não pode mais ser vista como tarefa de terceiros: é uma responsabilidade coletiva, e quanto mais cedo entendermos isso, maiores as chances de garantir um futuro em que Garça continue sendo sinônimo de fartura de água e não de escassez.

O imediatismo do homem cobra um preço no futuro, é preciso pensar hoje nas próximas gerações, estamos em uma luta contra o relógio nessa questão. É de suma importância ter consciência de que é preciso cuidar das nascentes hoje, pois amanhã poderá ser irreversível, ou então o gasto e trabalho necessário pode tornar a tarefa inviável. Para que a questão hídrica do município seja melhor no futuro, é indispensável que haja a colaboração da população com um uso da água de forma mais consciente, os proprietários rurais devem envidar esforços na recuperação e manutenção das matas ciliares e o mais importante, os gestores públicos devem ser atuantes na área do que lhe compete, que se dê o devido valor ao que realmente tem valor.

Por tudo isso, é preciso para ontem que cada cidadão ou gestor público comece a mudar de mentalidade e também hábitos e costumes, para que possamos todos nós adotarmos providências diferentes do que fizemos no passado. As escolhas de hoje precisam levar em conta não só o futuro, mas as ações e omissões do passado que já afetam o nosso hoje de forma impiedosa. Existe um ditado que diz que “o dinheiro não aceita desaforo”, mas é por que damos mais importância a ele. Entretanto, na realidade, é a natureza que não aceita desaforo, e quem paga boleto somos todos nós. Mas a esperança não pode morrer, nossa terra é gentil e generosa, se voltarmos a tratá-la bem, o que antes era cinza e seco, pode voltar a ser um lugar verdejante e úmido, assim como já foi um dia. Tudo dependente, infelizmente ou felizmente, da ação humana.

Autores: Vicente Aranha Conessa e Rudi Ribeiro Arena, fundadores do Piramba, entidade sem fins lucrativos e marca registrada que promove e divulga os patrimônios naturais, culturais e históricos da região de Garça-SP.

Fontes:

https://www.garca.sp.gov.br/portal/noticias/0/3/10058/indice-de-chuvas-em-garca-mostra-queda-significativa-em-2024

https://marilianoticia.com.br/garca-registra-reducao-de-2138-de-chuvas-em-2023/

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Livro: Exploração do Rio do Peixe – São Paulo 1913 – publicado pela Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo

Livro: Exploração dos Rios Feio e Aguapehy : (extremo sertão do estado) : 1905, publicado pela Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo.

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https://www.garca.sp.gov.br/portal/turismo/0/9/4704/bosque-das-cerejeiras

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https://www.ecooar.com/selo-verde/280/desafio-piramba-jetflex-2024

https://www.ecooar.com/perfil/438/piramba-mtb

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https://pirambamtb.com/2017/10/24/cachoeira-da-constroli-antes-e-depois/

Fotos:

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Antes (Cachoeira da Constroli)

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Depois (Cachoeira da Constroli)

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Antes (Poço do Porco)

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Depois (Poço do Porco)

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Antes (Cachoeira da União)

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Depois (Cachoeira da União)

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Antes (Cachoeira da Geladeira)

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Depois (Cachoeira da Geladeira)

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Antes (Cachoeira da Coruja)

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Depois (Cachoeira da Coruja)

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