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“O Rei Servo e Salvador” — por Pe. Anderson Messina Perini
Uma reflexão sobre a realeza de Cristo, revelada não no poder, mas no serviço, na entrega e no amor que nasce do trono da cruz.
18/11/2025 14h24
Por: Redação Fonte: Garça em Foco
A Liturgia da Palavra deste 34º Domingo Comum, Solenidade de Cristo Rei, nos convida a refletir sobre o Reinado de Deus. Com essa solenidade, Cristo Rei do Universo, encerramos hoje o Ano Litúrgico (Ciclo C). Os reinos estão, hoje, muito desacreditados. No entanto, na Bíblia, o tema é muito usado, no Antigo e no Novo Testamento. Nesta celebração em honra de Cristo Rei do universo, participamos da sua realeza, confirmada na cruz.
Na Primeira Leitura (2Sm 5,1-3), Davi é ungido Rei de todas as tribos de Israel. O seu reino tornou-se símbolo do Reino de paz e de justiça, que um dia Deus teria instaurado na terra. Os Profetas prometeram a chegada de um descendente de Davi, que iria realizar esse sonho. Israel esperou durante muitos séculos essa Vinda. Numa leitura crista, é a figura profética de Cristo, Rei e Pastor de todos os povos. Assim, a leitura nos faz antever a imagem do próprio Cristo, que conduzirá o novo Povo de Deus, pois nele, Deus Pai depositou o primado de todas as coisas.
A Segunda leitura (Cl 1,12-20), é um Hino Cristológico da Liturgia da Igreja primitiva, que acentua a Soberania absoluta de Cristo na Criação e na Redenção. Cristo é o Centro da vida e da história. Jesus Cristo é a imagem do Deus invisível, que nos revela quem é o Pai. Quem o vê, vê o Pai (Jo 14,9). Ele é o “primogênito de todas as criaturas” (v.15). 
Primeiro, no pensamento e no amor do Pai. Primeiro, pela dignidade infinita que antepõe a todas as criaturas. Primeiro, porque n’Ele, por ele e para ele (v.16) todas as coisas foram criadas, tendo-as Deus chamado à existência por meio de sua Palavra eterna. Pertence-lhe toda a criação. É ele mesmo o Rei que governa, o Sacerdote que a consagra e a oferece ao Pai para sua glória. Mas porque foi a criação contaminada pelo pecado, Cristo, que a redimiu ao preço do seu sangue, é também seu Salvador. 
A humanidade por Ele salva constitui o Reino, a Igreja da qual Ele é a Cabeça, Esposo, Pastor e Senhor. De outro lado, por sua Encarnação, é também irmão universal de toda a humanidade, e por sua Paixão e Morte é o “primogênito dos mortos” (v.18) que um dia ressurgirão com Ele, “primícias” dos ressuscitados. Em Cristo, tudo tem primado e nele tudo encontra o ser humano: a vida, “a redenção, a remissão dos pecados” (v.14). Brota assim de forma espontânea o hino de reconhecimento a Deus Pai que em seu Filho quis criar e restaurar todas as coisas, dar vida e salvação a humanidade: “Com alegria dai graças ao Pai, que vos tornou capazes de participar da luz, que é a herança dos santos. Ele nos libertou do poder das trevas e nos recebeu no reino de seu Filho amado” (v.12-13).
O Evangelho (Lc 23,35-43), apresenta a realização dessa promessa: o Nosso Rei preside esse Reino no Trono da Cruz. O Bom Ladrão reconhece sua realeza. A Cena é surpreendente e decepcionante para os seres humanos. 
Cristo não aparece sentado num trono de ouro, mas pregado numa cruz, com uma horrível coroa de espinhos na cabeça, com uma irônica inscrição pregada na cruz:  Jesus Nazareno: “Este é o Rei dos Judeus” (v.38).
 
Ele não está rodeado de súditos fiéis, que o louvam, mas dos chefes dos judeus que o insultam, e dos soldados que o escarnecem: “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!” (v.37). Nada o identifica com poder, com autoridade, com realeza terrena. 
Contudo, a inscrição, irônica aos olhos humanos, descreve com precisão a situação de Jesus, na perspectiva de Deus: Ele é “rei-servo”, que preside, da cruz, a um “Reino” de serviço, de amor, de entrega, de dom da vida. 
O quadro é completado por uma cena bem significativa. Ao lado de Jesus estão dois malfeitores, crucificados com ele. Enquanto um o insulta, representando os que recusam a proposta do Reino, o outro, no suplício da cruz, reconhece a realeza de Jesus e pede um lugar nele: “Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação? Para nós, é justo (...) mas ele não fez nada de mal”. E voltando-se para Jesus, afirma: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado” (v.40-42). Jesus lhe garante: “Ainda hoje estarás comigo no paraíso” (v.43). 
É ladrão, mas crê em Deus e o teme, confessa-se culpado e aceita o castigo de seus delitos. Ilumina-o a fé e, primeiro entre todos, reconhece a realeza de Jesus, escarnecida e repelida pelos sacerdotes e pelas lideranças do povo. Reconhece-a, não perante a Cristo glorioso e, sim, perante Cristo humilhado, agonizante na cruz. Por isso, recebe o prêmio de sua fé. Pediu para o futuro e recebe, de repente, hoje. Não precisa aguardar, Jesus já expiou por ele, já lhe mereceu a graça do perdão.
A cruz é o Trono, em que se manifesta plenamente a realeza de Jesus, que é perdão e vida plena para todos. A Cruz é a expressão máxima de uma vida feita Amor e Entrega. Assim, basta acolher na fé Jesus crucificado, arrepender de seus pecados, e receberá o prêmio dos eleitos. Ele é o Bom Pastor que salva a ovelha perdida, o Pai que acolhe o filho pródigo, o Rei que estabelece seu reino com o poder do amor e a preço de seu Sangue. Quem crer e confiar ouvirás suas palavras: “hoje estarás comigo no paraíso”.
A liturgia define esse Reino: “um reino eterno e universal: reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino da justiça, do amor e da paz” (Prefácio). Lendo o Evangelho, vemos que: a Missão de Cristo nessa terra foi precisamente inaugurar o Reino de Deus; a Missão da Igreja consiste em continuar na História o anúncio do Reino de Deus e convocar os homens para construí-lo na terra. Jesus nos convida a fazer parte desse Reino e a trabalhar    para que esse Reino chegue ao coração de todos. É justamente essa a missão do cristão Leigo, cuja festa hoje celebramos: Ser “Protagonista da Evangelização” (Santo Domingo). É também o que ele nos convida a rezar no Pai Nosso: “Venha a nós o vosso Reino”.
Celebrar a festa de Cristo Rei não é celebrar um Deus forte, dominador, que se impõe aos homens do alto de sua onipotência e que os assusta com gestos espetaculares. É celebrar um Deus que serve, que acolhe e que reina nos corações com a força desarmada do amor. A Cruz é o trono de um Deus que recusa qualquer poder e escolhe reinar no coração dos homens através do amor e do dom da vida.
Por isso, a festa de Cristo Rei nos convida a repensar a nossa existência e os nossos valores. Diante deste “rei” despojado de tudo e pregado numa cruz, não nos parecem completamente ridículas as nossas pretensões de honras, de glórias, de títulos, de aplausos, de reconhecimento? Diante deste “rei” que dá a vida por amor, não nos parecem completamente sem sentido as nossas manias de grandeza, as lutas para conseguirmos mais poder, as invejas mesquinhas, as rivalidades que nos magoam e separam dos irmãos? Frente a este “rei” que se dá sem guardar nada para si, não nos sentimos convidados a fazer da vida um dom?
Certamente nos sentimos felizes em sermos cidadãos desse Reino. Por isso, alegremo-nos dessa dignidade e façamos com que ele tenha um lugar sempre maior dentro de nosso coração.
                                                                                              
 Pe. Anderson Messina Perini
Administrador Paroquial da Paróquia Jesus Bom Pastor de Santo André