A comunidade medica garcense, assim como a população em geral, ainda chora a partida do Dr. Roberto Tristão Paiva, morto aos 85 anos na última quinta-feira (05). O renomado cirurgião plástico e gástrico, casado com a também médica Cidelina de Azevedo, deixou um legado de dedicação à medicina, uma vasta lista de admiradores e pacientes gratos, e os filhos Leonardo e Geovana. Dr. Roberto, que chegou a Garça em 1977, foi um verdadeiro ícone da saúde local, marcando a vida de muitos com seu profissionalismo e, sobretudo, sua profunda humanidade.
A trajetória de Dr. Roberto Tristão Paiva foi definida pela superação, uma palavra que, para ele, ia muito além do seu significado literal. Mesmo após um AVC (Acidente Vascular Cerebral) Hemorrágico em 2009, que o deixou em uma cadeira de rodas, ele demonstrou uma força inabalável e uma resiliência que inspirou a todos ao seu redor.
Em uma emocionante entrevista concedida há exatos 15 anos ao então Jornal Comarca de Garça, Dr. Roberto compartilhou sua vivência após o AVC, um relato que, em sua partida, ganha ainda mais relevância. Ele, que por anos esteve do lado de quem cuida, viu-se na condição de paciente, uma experiência que transformou profundamente sua visão da medicina e da relação médico-paciente.
“Eu tomava medicamento para controlar a hipertensão, mas a pressão arterial tem vários picos de acordo com o aumento da adrenalina que pode ser provocado por um aborrecimento, um stress. Isso tudo eleva a pressão arterial que pode rebentar um vaso. A doença eu superei, mas peguei trauma da UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Ali é uma experiência, uma lição que traumatiza. Eu queria sair, estava amarrado, delirando. Estava agitado após a cirurgia. Era uma angústia”, confessou na época.
O Dr. Roberto, que realizou inúmeras cirurgias de aneurisma cerebral, viu-se submetido a um procedimento, desta vez como paciente. A cirurgia foi um sucesso, mas o AVC deixou sequelas que, segundo ele, excluem socialmente e mudam a vida em 180 graus.
“Você precisa de ajuda para se vestir, se locomover. Você precisa de ajuda para tudo. Foi muito difícil a aceitação. Fiz um acompanhamento psicológico. Ainda faço”, revelou.
Apesar do trauma da UTI, que o marcou profundamente, o Dr. Roberto extraiu lições valiosas de sua experiência. Ele se tornou menos materialista e passou a acreditar que “existe uma força que vai além do entendimento”. Sua vivência o fez perceber a importância da espiritualidade e que “uma palavra vale mais que mil remédios”.
“Estou aqui graças ao apoio recebido de amigos e pessoas que oraram por mim. A família estruturada foi fundamental, mas existe uma força além daquilo que pensamos. Médicos pensam que são reis. Não somos donos da verdade. Tentamos dar condições de vida melhor para o paciente, mas existem outras verdades que fogem à nossa concepção”, afirmou.
Nesses mais de 40 anos de profissão, grande parte vivida em Garça ao lado da Dra. Cidelina, Dr. Roberto sempre buscou ir além do convencional. Ele criticava a negligência na prevenção de AVCs e defendia uma medicina mais atenta às queixas dos pacientes. Em sua atuação como cirurgião plástico, ele enfatizava o caráter reparador e transformador de muitas cirurgias, que devolvem aos pacientes o desejo de viver.
O Médico que virou estudante de Direito
Mesmo com as limitações físicas, Dr. Roberto não se permitiu ficar parado. Ele, que não sabia quando recuperaria os movimentos do braço esquerdo, encontrou no estudo do Direito uma nova paixão, seguindo os passos de seu filho Leonardo, que estava finalizando a faculdade.
“Fui à faculdade com a expectativa de fazer um curso para terceira idade. Me identifico com o curso. É uma turma jovem, inteligente”, disse na entrevista. Acompanhado diariamente pela Dra. Cidelina em suas aulas, ele demonstrava a mesma dedicação e alegria em aprender.
A morte do Dr. Roberto Tristão Paiva deixa uma lacuna na história de Garça, mas seu legado de superação, humanidade e a lição de que “não somos donos da verdade” continuarão a inspirar futuras gerações de médicos e cidadãos. Que sua memória seja sempre celebrada e que a família encontre conforto neste momento de imensa dor.